“Senhor, tu tens sido o nosso refúgio de geração em geração”

(Salmo 90, seu preferido das escrituras e como sempre começava as suas orações).

 

Considerado como o grande idealizador pelo seu intuito, atuação e esforço para a criação da Escola Agrícola de Lavras (EAL), nos primeiros anos do século XX, Samuel Rhea Gammon nasceu em 30 de março de 1865, em Bristol, West Virginia, EUA, e era um missionário da Igreja Presbiteriana. Filho de Audley Anderson Gammon e Mary Faris Gammon, foi o terceiro dos cinco filhos do casal. Os irmãos eram William, Bessie, Sam (como era carinhosamente chamado), Nannie Spence e Minnie. 

Gammon, como foi conhecido, era alto, cabelos negros e olhos azuis. Os relatos são de que agia sempre com muita simpatia e com gestos corteses, além de ser dotado de grande tolerância e portador de uma grande gentileza e elegância, características essas que muito marcaram o seu comportamento na convivência social e profissional.

Ainda criança, mudou-se com a família para Rural Street, para onde Samuel, já adulto, voltou várias vezes para visitas. Ajudava os pais no trabalho de tirar leite, alimentar as criações, colher frutas e verduras ou ir à cidade vender esses produtos. No caminho, não cansava de apreciar a paisagem dos montes Alleghenies e o nascer do sol, sempre com um louvor: “Os céus proclamam a glória de Deus”. 

Os estudos foram realizados no King College em Bristol, tendo se destacado como aluno e bacharelando em Artes, formação esta que muito contribuiu para o desenvolvimento de projetos de prédios e planos de áreas que veio a realizar posteriormente. Em função das suas notas altas na escola, foi escolhido como orador da sua turma, e o tema do seu discurso foi “Quero Luz”. A escolha da sua carreira gerou muitas dúvidas nessa época, versando sobre as possibilidades de Medicina, Advocacia ou o Ministério. Decidiu-se pela opção do serviço a Deus e aplicou-se ao Union Theological Seminary em Hampden-Sidney (atualmente Union Presbyterian Seminary, Richmond), onde bacharelou-se em Teologia. Durante os estudos, aprendeu os idiomas hebraico e francês.

Em 1886, teve conhecimento do “Movimento de Voluntariado Estudantil”, que incentivava a obra missionária em países estrangeiros, o que despertou seu interesse. Teve contato com Eduardo Lane, já missionário no Brasil em um trabalho aliado à obra educacional, o que muito o impressionou e norteou a sua decisão, após a formatura e ordenação em 1889, na Igreja de Rock Spring, Virginia. Assim, em 23 de novembro de 1889 partiu no navio “Advance” para o Brasil, na companhia de vários missionários, destacando-se Lane e Carlota Kemper (anos depois, professora e diretora do Instituto Evangélico). O Brasil ainda era um país desconhecido naquela época: a independência havia ocorrido há poucos anos antes, em 1822, a libertação dos escravos era recente (1888) e a República havia sido recém proclamada, em novembro de 1889.

A missão presbiteriana foi estabelecida por Eduardo Lane e George Nash Morton em Campinas, no ano de 1869. Nessa cidade, foi criado o Instituto Campinas, cujas atividades iniciaram-se em 27 de janeiro de 1890, sendo posteriormente renomeado como Colégio Internacional. Poucos meses após a abertura da escola, aconteceu uma epidemia de febre amarela, que obrigou a escola a interromper as atividades por alguns meses. Após várias situações complicadas, em 1892 decidiu-se pela transferência para o sul de Minas, na cidade escolhida de Lavras do Funil (como era chamada naquela época), em função da previsão da construção de uma estrada de ferro que facilitaria a ligação com Rio de Janeiro e São Paulo. Assim, as atividades da escola denominada Instituto Evangélico foram iniciadas em 1º de fevereiro de 1893. Carlota Kemper, que acompanhava a missão e também se deslocou para a nova sede, era responsável pela escola, sob a supervisão de Gammon. A escola era inicialmente somente para moças, e instalada numa pequena casa. Com o crescimento, a escola foi transferida e instalada em uma chácara alugada, pertencente a José Jorge, onde atualmente é o “campus chácara” do Instituto Presbiteriano Gammon.  O início não foi fácil, em uma cidade em que as ruas ainda eram de terra e o transporte era feito por carros de boi, que disputavam espaço com o bonde. A população vivia precariamente em casas cobertas com capim e havia um grande número de analfabetos. Além do trabalho na cidade, Samuel Gammon viajava para cidades vizinhas, como Cana Verde, Perdões, Nepomuceno, Três Pontas, fazendo pregações, e para outras não tão próximas como Piumhi.

Sra. Willie Gammon (1ª esposa de Gammon), Mary Elizabeth (filha) e Rev. Samuel Rhea Gammon. Foto de 8 de julho de 1893 (Fonte: https://www.ipbhistoriaeidentidade.com.br/materiais/missionarios-da-igreja-do-sul/ e Jornal O Tabloide, 1966).

Mas a chegada dos missionários à cidade, embora tenha sido bem recebida por alguns, para outros não foi bem aceita, gerando algumas situações conturbadas. De forma hostil eram tratados como “americanos” ou “protestantes”. Mas isto não os fez desistir. Com sua personalidade conciliadora e educada, Gammon fez grandes amizades, como por exemplo com João Custódio da Veiga de Nepomuceno, que mais tarde foi quem lhe emprestou 3 contos de réis para a compra da fazenda para a instalação da Escola Agrícola (hoje UFLA), cujas atividades iniciaram em 1908. 

 

A família

Em março de 1895, Gammon realizou uma viagem aos EUA que se tornou memorável: além de visitar e realizar atividades relativas à sua atuação missionária, foi realizado o seu casamento com Guilhermina Humphrey, em 27 de junho. O casal retornou ao Brasil e Guilhermina atuou por vários anos como diretora da escola. Uma grande inovação nesse período foi o Natal dos missionários em 1900, quando, pela primeira vez, foi celebrado com a árvore de Natal, costume que se difundiu em todo o País. 

Guilhermina faleceu prematuramente em 1908, deixando uma única filha, Mary Elizabeth, que se casou nos EUA com o Reverendo A. L. Davis, nascendo-lhes a filha Willie. 

Gammon casou-se pela segunda vez em 28 de fevereiro de 1911 com Clare Gennet Moore (aportuguesado para Clara), que atuava juntamente com sua mãe, Alice Moore, como missionária na escola. Tiveram os filhos Audley (recebeu o nome do avô paterno), Joseph (Joe - nome do avô materno), Billy (Willie ou Guilhermina, mesmo nome da 1ª esposa), Dick (Ricardo) e Alice (nome da avó materna).

Clara Gammon. Foto publicada no Jornal Acrópole, 1994.

O arquiteto

Com o crescimento da sua família, foi necessária a construção de uma nova casa, a qual foi projetada por Gammon, que também se encarregou de conduzir a obra e implantar o jardim. Para a construção, Gammon inaugurou em Lavras, entre 1917 ou 1918, a produção de tijolos para substituir os adobes, tradicionalmente utilizados nas construções. Essa casa sofreu várias modificações, incluindo a demolição do andar superior e, ainda hoje é utilizada como a casa do diretor no Instituto Gammon.

Gammon tinha um grande cuidado com as áreas do terreno da escola. Ele mesmo plantou as árvores, cuidava das flores. Formou um pomar nos fundos da chácara, com muitas jabuticabeiras. Próximo à sua casa fez um jardim onde plantou rosas, cujas flores ele colhia e utilizava para presentear sua esposa Clara.

Casa do diretor (Fonte: Gammon, 1957)

Gammon tinha fama de arquiteto e, atendendo às solicitações, desenhou a planta de várias casas, especialmente na cidade de Nepomuceno. Já no final da sua vida, mesmo doente, ainda trabalhava, e elaborou o plano para a Escola Agrícola, traçando as futuras ruas e avenidas, com a localização dos edifícios. Muito habilidoso, desenhou os prédios do Instituto Evangélico e da Escola Agrícola. Quando faleceu, em 1928, apenas dois edifícios existiam (no mapa, 10 e 17), mas os demais, em torno de dez, foram construídos obedecendo ao projeto por ele esboçado. O Plano de desenvolvimento do Instituto Evangélico, que incluía a criação da universidade, foi desenhado por Gammon já no final da sua vida, quando afastado para tratamento.

Plano de desenvolvimento do Instituto Evangélico. (O Acrópole, 19.08.1979. Suplemento)

Nova missão

De agosto de 1901 até maio de 1902, afastou-se da Escola, quando foi designado para atuar como reitor do Seminário em Campinas, em substituição a John Rockwell Smith, por ocasião de suas férias (era comum que os missionários retornassem aos EUA em férias por um período de um ano). Finalizado esse trabalho, seguiu também com a família para os EUA. Nesta ocasião, recebeu do King College o título de Doutor Honoris Causa em Teologia. Novamente, 24 anos depois, foi agraciado por essa mesma universidade, com o título de Doutor Honoris Causa em Leis.

Retornando ao Brasil, em 1903 foi designado novamente para dirigir o Instituto Evangélico em Lavras.

A nova fase

Em 2 de fevereiro de 1904, foi aberta a escola de rapazes e Gammon pediu que esse dia fosse marcado com “letras de ouro”, e registrou que iria dedicar-se a tal obra “até que Deus me aponte outro rumo”. Para oferecer aos estudantes carentes a oportunidade de custear os seus estudos, inaugurou na escola uma oficina de carpinteiro, depois uma sapataria, selaria, tipografia, encadernação. Em 1906, foi aprovada a equiparação do Colégio dos Meninos ao ginásio oficial, uma grande vitória para a Escola Evangélica.

Em 1909 foi inaugurado o novo prédio, projetado por Samuel Gammon, destinado a abrigar a diretoria, secretaria, salas de aula e um auditório.

“O Prédio”, com a inscrição externa Gimnásio de Lavras, situado no câmpus Chácara do Instituto Presbiteriano Gammon. (Fonte: https://gammon.br/instituicao/)

Internamente, no arco do palco foi feita a inscrição “Dedicado à Glória de Deus e ao Progresso Humano”, frase essa que se transformou em lema da escola até os dias atuais.

O Edifício Carlota Kemper foi inaugurado no início de 1927, pouco antes do falecimento de Carlota Kemper, que ocorreu em 15 de maio de 1927.

 

Visionário

Em suas viagens, Gammon constatou o atraso na lavoura do Brasil e desejava que as condições da produção agrícola e da vida rural pudessem ser melhoradas. A esse respeito, o escreveu, em 1908: “Desde que fundamos o nosso estabelecimento de ensino secundário, em 1904, nutrimos o desejo de proporcionar aos alunos que se destinam à vida de agricultores um curso especial de estudos que os prepare para conveniente aproveitar as riquezas naturais da terra

Em um documento redigido em 1906, intitulado “The Evangelical Institute of Lavras, Brazil - Its Plans and purposes”, a intenção da criação de uma escola de agricultura é apresentada:

2. - We need a man to organize thoroughly and to carry on efficiently our Agricultural Department,

and we need a few thousand dollars to improve the equipment of this very important branch of our work.

Assim, atendendo a essa solicitação, Benjamin Harris Hunnicutt, recém diplomado em Agronomia nos EUA, chegou ao Brasil em 1907. Foi responsável por organizar, em 1908, a secção do Instituto chamada Escola Agrícola de Lavras, sendo que os primeiros alunos do curso já estavam estudando no Ginásio.

Atividades além da vida escolar

Eloquente, Gammon era frequentemente convidado para sermões, palestras e assembleias no Brasil e no exterior. Viajou para diversos países como Escócia, Chile, Peru, Panamá, Argentina, além das muitas visitas aos EUA.

Em 1916, em uma conferência de líderes educadores realizada no Mackenzie College, foi organizada a Federação Universitária Evangélica, sendo indicados como presidente Waddel e como tesoureiro Gammon. Como proposta principal, havia a criação de Faculdades de Medicina, Direito e Filosofia. Em 1923, Gammon assumiu como presidente dessa Federação.

Além da epidemia de febre amarela que obrigou os missionários a transferirem-se para o sul de Minas, Gammon ainda viu acontecer a I Guerra Mundial, e testemunhou novo fechamento da escola em 1918, em consequência da gripe espanhola, necessitando transformar um dos edifícios do instituto em hospital para atendimento aos doentes.

 

Sempre na memória

Em 1928, Gammon adoeceu gravemente, sendo deslocado para São Paulo e depois para o Rio de Janeiro para tratamento. Nesta ocasião, a diretoria da escola decidiu por mudar o nome de Instituto Evangélico para Instituto Gammon, o que o sensibilizou bastante, pela homenagem feita ainda em vida. No dia 4 de julho de 1928, quando estava sendo transferido para Lavras, durante a viagem, faleceu em Barra Mansa-RJ, aos 63 anos, sendo 40 doados à missão evangélica.

O Agricultor, 1928
O Agricultor, 1928

Cinco anos depois, no dia 4 de julho de 1933, foi inaugurada, pelos seus ex-alunos, amigos e parentes, uma herma na Praça Dr. Augusto Silva em homenagem àquele que dedicou sua vida à glória de Deus e ao progresso do ser humano.

Herma do Dr. Gammon na Praça Dr. Augusto Silva. Foto: Arquivos do Museu Bi Moreira

A inauguração da herma foi um grande evento, com a presença de familiares, políticos e muitos ex-alunos. Foram diversas as atividades realizadas ao longo do dia, incluindo orações, discursos e banquete.

Notícia relativa à solenidade de inauguração da herma do Dr. Samuel Gammon, publicada no jornal Nova Lavras.

No ano de celebração do centenário do seu nascimento, 1965, uma nova herma foi inaugurada, no campus histórico da ESAL.

Inauguração da Herma homenagem a Samuel Rhea Gammon em 1965, situada na Praça do Câmpus Histórico da UFLA.

Placa referente aos 100 anos de nascimento.

Herma Dr. Samuel Rhea Gammon nos dias atuais. Praça do Campus Histórico da UFLA.

Foto: Patricia D.O. Paiva

Referências:

GAMMON, C.G.M. Assim brilha a luz - a vida de Samuel Rhea Gammon. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.192p.

O Agricultor, ano I, n. 3, setembro 1922.

O Agricultor, ano VII, n. 4, setembro 1928.

Jornal O Puritano, 1928

Jornal O Município 1928

Jornal O Tabloide, 1966.

 

Confira outras imagens:

Prédio Allyn”, antiga sede da Chácara do Instituto Evangélico em 1927

Foto: Arquivos do Museu Bi Moreira

Dr. Gammon (na frente, 3º da esq. p/ dir.) entre os professores do Instituto.

Foto: Arquivos do Museu Bi Moreira

Emblema desenhado pelo Dr. Gammon, quando estava afastado cuidando da saúde (1927 ou 1928). O monograma foi desenhado por Clara Gammon.

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