Primórdios da indústria de laticínios
A primeira indústria de laticínios do Brasil foi fundada em Minas Gerais, em 1888, por Carlos Pereira de Sá Fortes, no distrito de Palmyra, hoje cidade de Santos Dumont (MG). Para isso, foi necessário importar equipamentos da Europa, e dois queijeiros holandeses atuaram nos dois anos iniciais da fábrica. O deputado-geral da Assembleia da Corte, Rui Barbosa, atuou em projetos que estipulavam mudanças para a educação brasileira, e indicou que as instituições de ensino superior deveriam oferecer capacitação aos alunos, evitando a dependência de mão-de-obra estrangeira.
Laticínios na EAL
Na Fazenda Modelo da Escola Agrícola de Lavras, com 250 hectares, foi prevista a instalação de uma fábrica de manteiga. As instalações de laticínios tinham como finalidade ensinar aos alunos sobre a indústria agrícola de maior importância na economia do estado de Minas Gerais na época.
Quando falamos de “Agricultura”, empregamos o termo em sentido lato, abrangendo todas as ramificações da vida do fazendeiro. O curso, portanto, que ensina a sciencia e a arte de agricultura deverá abranger não somente o que disser respeito à plantação, cultivo e colheita dos fructos da terra, mas também os princípios que têm de ser observados na criação de todas as espécies de gado e na depuração da raça dellas, e bem assim o essencia da industria de laticinios [...] (Samuel Rhea Gammon, 1908).
Esta estrutura estava sempre à disposição dos professores e estudantes para trabalhos práticos das suas disciplinas (ou cadeiras, como eram denominadas na época). As instalações foram concluídas em 1936.
Prédio de Laticínios e equipamentos
Em 1928 foi anunciada a construção de um novo prédio para abrigar as atividades do laboratório de laticínios. Nessa estrutura, concluída em 1929, passaram a ser ministradas as aulas práticas de laticínios, que ocorriam desde 1909 em estrutura na Fazenda Modelo Ceres. Esse novo prédio foi construído antes do prédio Odilon Braga (1937), que integrava o conjunto dos quatro prédios principais da escola, o que destaca a importância dessas disciplinas e das aulas práticas na formação dos alunos.
O novo prédio era equipado com maquinário e aparelhos utilizados para a fabricação de manteiga e queijo, bem como uma sala para as análises de leite e seus produtos, além de outros trabalhos de laboratórios. Estas instalações contam com aparelhos para análise de leite e seus produtos, com aparelhos de Babcock Gerber para determinação de matérias gordas, acidimetria, aparelhos para determinação de sal, de impurezas, entre outros.
Também foi equipado com uma máquina de gelo, que era inovação para a época, fabricada pela companhia dinamarquesa Atlas, de Copenhague. A descrição de funcionamento desta máquina foi publicada no jornal Tribuna do Povo em 1928.,
“Exige para seu perfeito funcionamento uma força motriz de 3 HP, podendo ser a vapor, a água ou a electricidade. Quando a machina está funccionando, produz-se o vacuo na parte chamada “refrigerador”, o vacuo causa uma evaporação rápida do refrigerante, que é, nesta machina o bi oxydo de enxofre (SO2); o calor exigido para esta evaporação é retirado pelo refrigerador do ambiente com que se acha em contacto e, portanto, este fica esfriado. Este esfriamento é captado pela “Câmara frigorífica”, que se acha circundado por salmoura, cuja densideade é de 22° Baumé.
O gaz refrigerante vae do refrigerador para o condensador, aqui sofrendo uma compressão, causa o desprendimento de calor, devido a isto é que, esta machina, exige uma quantidade de 300 litros de água por hora para poder esfriar as paredes externas do condensador e, portanto, o interior juntamente com o gaz. Este typo de machina produz em 24 horas, trabalhando sem interrupção, de 336 a 380 Kgs de gelo, além da refrigeração que faz.”
Nesta fábrica havia motores elétricos que movimentavam as máquinas, a caldeira a vapor movimentava o motor de emergência e fornecia vapor para a esterilização dos aparelhos. Contava também com a desnatadeira, batedeira, salgadeira (combinação), espremedeira, cravadeira, máquina frigorífica “Glacia”, entre outras.
Na estrutura do Laticínio existia um departamento para fabricação de manteiga de fina qualidade, produzindo mensalmente mais de 2 mil quilos de manteiga marca “Agricola Nova”, comercializada principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Alguns dos equipamentos para a instalação da fábrica de manteiga e pasteurização do leite, que era distribuído na cidade em vasilhames esterilizados, já haviam sido adquiridos em 1909, em uma ação inovadora de Benjamin Hunnicutt.
Benjamin Hunncutt observou que naquela época ainda havia manteiga importada da França sendo comercializada e poucas fábricas existiam no Brasil. A manteiga produzida apresentava excelente qualidade e tem-se o registro de pelo menos duas premiações recebidas:
- Medalha de ouro na 2ª Exposição de Leite e Derivados, realizada no Rio de Janeiro em 1929.
- Medalha de Ouro na Exposição comemorativa do Cinquentenário da Estrada de Ferro Sul de Minas a Cruzeiro, em 1934.
Nos primórdios da instituição era comum a participação em exposições agropecuárias e também exposições especializadas em laticínios, difundindo, assim, não somente animais e equipamentos, mas também os produtos.
Outro departamento era também destinado à fabricação de queijos, produzindo queijos diversos de forma experimental e para consumo no Instituto Evangélico.
Dentre os registros encontrados, identificou-se que trabalhavam neste laticínio o Sr. José Firmino de Souza, o Sr. Nenê, encarregado da Fábrica de Manteiga Agrícola Nova e o Sr. Antonio Mendes de Carvalho, auxiliar técnico de Laticínio na Escola Agrícola de Lavras, responsável pelas análises laboratoriais e autor de alguns artigos publicados em “O Agricultor”.
Gado
O leite utilizado no Laticínio era proveniente de rebanhos melhorados a partir de duas raças: Holandesa e Schmytz. A escola possuía reprodutores puros, importados dos Estados Unidos e da Europa. Realizava-se também ensilagem, especialmente para alimentação no período de seca.
Há registro de que o gado Schmytz proporcionava excelentes resultados, sendo hibridizado com caracu e zebu e destinado a “gado de campo”, excelentes animais de trabalho ou bois de carro. Já as novilhas Schwytz-hollandezas eram ótimas leiteiras. O estábulo ficava localizado em frente ao prédio de Laticínios.
Ensino de Laticínios
O Decreto de Lei nº 8.319 de 1910, 1º regulamento oficial relacionado ao ensino agrícola, previa o ensino de Zootecnia, com a criação de um Posto Zootécnico e constava a menção a “Escolas de laticínios”. Essas escolas deveriam prever o estudo tecnológico do leite, fabricação de queijo e manteiga e utilização de subprodutos da fabricação; processos de conservação e transporte dos produtos e fornecimento de dados para cooperativas de laticínios (Brasil, 1910).
À frente do tempo, a Escola Agrícola já tinha criado um Posto Zootécnico em 1909. No Programa de Curso apresentado em 1908 já estava prevista a ministração da disciplina Laticínios no último ano do curso Agrícola. E isso ocorreu durante todo o período da Escola Agrícola, assim como ainda hoje é ministrada para os alunos do curso de graduação em Zootecnia com a denominação de “Tecnologia de Leite e Produtos Lácteos”, sob a responsabilidade do Departamento de Ciência dos Alimentos.
A disciplina de Laticínios previa os tópicos de estudos a) Raça leiteira; b) O leite, sua produção e composição, análise comercial; c) Métodos de classificação e exportação. Os alunos tinham como atividade da disciplina Laticínios fazer a preparação da manteiga, auxiliar na fabricação de queijo, enfatizando o caráter prático da formação dos alunos da EAL
O primeiro professor da disciplina foi o Dr. Benjamin Hunnicutt. Na ausência de outro professor, ele assumiu esta cadeira, até o retorno do professor Oswaldo Tertuliano Emerich, da área de Zootecnia e Agronomia, da sua especialização nos Estados Unidos, em 1911. Ex-aluno da escola da primeira turma, foi também o primeiro a ser beneficiado com bolsa no exterior e veio a se tornar importante professor nos primórdios do ensino de Laticínios na EAL e no Brasil. Autor de vários artigos neste tema, publicados em “O Agricultor” e também de livros na área de Zootecnia, como “Suinocultura”. Após a sua saída em 1934, a disciplina deixou de ser ofertada por dois anos, até a contratação do médico veterinário José Assiz Ribeiro, aprovado em concurso público para a 18º cadeira da ESAL, área laticínios, em 1937. O professor teve grande atuação na área de laticínios, sendo pioneiro em pesquisas tecnológicas da produção de queijos no Brasil e autor de várias publicações importantes nesta temática com o artigo “Queijo Minas Artesanal do Serro” e livros “Como fabricar queijos” (1951) e “Fabricação de Queijos” (1961).
Propagandas
A divulgação por parte das empresas era uma iniciativa importante, assim vários anúncios de equipamentos e acessórios para laticínios foram publicados em O Agricultor, como patrocínio para manutenção da revista.
Outras imagens:
Referências
BEZERRA, A.A. Instituto Gammon: dedicado à glória de Deus e ao progresso humano. Rio de Janeiro: H.P. Comunicação Editora, 2016.
BRASIL. Decreto de Lei nº8319 de 20 de outubro de 1910. Crêa o ensino agronomico e aprova o respectivo regulamento. Secretaria de Informação legislativa Senado Federal. Disponível em:
Este é o Caminho. Prospecto
Fazenda Modelo da Escola Agrícola de Lavras. Prospecto
GAMMON, S.R. Prospecto do Instituto Evangélico. Lavras: Typografia do Ginásio de Lavras, 1908.
HUNNICUTT, B.H. Duas décadas de desenvolvimento agrícola no Brasil. O Agricultor, n.1, jan 1927. p.9-10, 23, 29-31.
MANTEIGA. Tribuna do Povo. Lavras MG, Anno VII, n.346, 13 de maio de 1928.
Prospecto das Escolas do Instituto Evangélico, Lavras-MG: Typografia do Instituto Evangélico, 1925. 62p.
Prospecto das Escolas do Instituto Gammon, Lavras-MG: Imprensa Gammon, 1930 51p.
Prospecto das Escolas do Instituto Gammon, Lavras-MG: Imprensa Gammon, 1931 41p.