“We never stop finding out who we are”
[Nunca paramos de descobrir quem somos]

John Maxwell Stout nasceu em 6 de  dezembro de 1922, em Handley, nos Estados Unidos (EUA), localidade que atualmente fica na cidade de Fort Worth, no Texas. Ele faleceu em 8 de dezembro de 2016, aos 94 anos, em Katy, também no Texas. 

Stout casou-se em abril de 1943 com Mary Helen Jernigan, que passou a chamar-se Mary Helen Stout. A solenidade foi na igreja Batista, no College Station, local em que Stout jurou amá-la “para todo o sempre - e um pouco mais”. Helen, graduada pela Texas State College for Women em 1946, acompanhou-o durante toda a vida, falecendo em 8 de maio de 2014. Ela atuou fortemente como missionária e, durante o período em que permaneceu em Lavras, precisamente nos anos 1955 e de 1957 a 1960, ensinou História Sagrada no Instituto Gammon.

 

 

Vida Militar

John Stout atuou como capitão da artilharia do exército americano, servindo na Campanha do Pacífico, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele se alistou em 1942 e ascendeu ao posto de tenente, mas acabou sendo ferido na frente de guerra por uma bomba explosiva, e o diagnóstico médico foi de que suas vértebras se fundiriam em dez anos, provavelmente paralisando Stout para o resto da vida. Foi dispensado do exército em 1946 como Disable veteran - “veterano deficiente”.

 

 

Ainda quando estava em Kumalaya, no Japão, enviou a fotografia abaixo para sua esposa, com uma declaração de amor.

 

 

Traduzindo carta:

Kumalaya, Japão

3º aniversário

“Para minha querida esposa

Embora possamos estar separados neste, o nosso terceiro, temos um consolo. Que nosso amor e afeição um pelo outro sejam perfeitos como Deus desejou que fosse.

Temos muitos pensamentos felizes e gloriosos voltados para este dia maravilhoso, cada um à sua maneira e o caos é que eles são iguais porque pensamos da mesma forma.

Eu gosto de amar e ser amado, provocar e ser provocado, tocar e ser tocado por você, minha querida e doce esposa. Com o passar dos anos, nossos conteúdos mudaram de “uma torta de coração partido” para coisas mais realistas e felicidade.

Aproveitei cada minuto com você tanto em corpo e espírito. Um amor verdadeiro é aquele que aumenta com o tempo. Nosso não somente aumenta, mas aumenta ainda mais que intensifica. Sempre amarei minha querida, doce perfeita esposa, sempre.

John”

Durante sua atuação no exército, Stout fez pesquisas para desenvolver contramedidas e minimizar as mortes, estudando os perigos atrás das linhas inimigas e desenvolvendo uma calculadora de artilharia. O trabalho foi base para uma tecnologia de “alcance de som” que ligava dispositivos de escuta subterrâneos ocultos a um sistema de coleta de dados, facilitando a detecção de forças inimigas à distância, mapeando a sua localização. 

Quando deixou o Exército, ele havia recebido a Atlantic-Pacific Campaign Medal [Medalha da Campanha Atlântico-Pacífico], a Victory Medal [Medalha da Vitória], a American Theater Campaign Medal [Medalha da Campanha do Teatro Americano], a Overseas Bar, e o Marksman Badge for Pistol and Carbine [Distintivo de Atirador para Pistola e Carabina]. Stout foi também condecorado como Honorary Colonel in the Alabama State Militia [Coronel Honorário na Milícia do Estado do Alabama] pelo governador George C. Wallace.

Desde 1942 ele realizou intensivos estudos relativos a problemas básicos da artilharia. Após vários experimentos, cartas e entrevistas com combatentes atiradores e, obteve como resultado o desenvolvimento um computador simples. Este equipamento denominado “Stout Computer”, depositado para ser patenteado em 1948, permite calcular o ângulo espacial necessário para as armas atingirem o alvo. Nas suas palavras, “I have always believe that nothing is impossible to invent or to simplify” [Eu sempre acredito que nada é impossível de ser inventado ou simplificado].

 

 

Em uma das muitas cartas enviadas à diretoria de artilharia do exército americano ele queixou-se do fato de ter criado pelo menos 15 invenções e não ter recebido a devida atenção e entusiasmo. Após vários anos sendo analisado, o equipamento “Stout’ Computer” não foi aprovado pelo exército americano.

Formação

John Stout estudava na Agricultural and Mechanical College da Texas University, EUA, quando deixou a instituição para servir ao exército e atuar na guerra. Retornou em 1946 e, em função dos conhecimentos acumulados, foi convidado a lecionar disciplinas ao mesmo tempo em que estudava, acumulando créditos por isso. Em 1947 John Stout finalizou o curso de Engenharia Química,graduando-se em 1948, quando recebeu o diploma das mãos do futuro presidente dos Estados Unidos - Dwight Eisenhower (1953-1961). Além disso, ele também graduou-se em Engenharia de Petróleo na mesma universidade.

John terminou seu último ano atuando no time de futebol americano Handley quando sonhava também em ser jogador Aggie. Ao se formar, magna cum laude, recebeu o prêmio Outstanding Citizenship Award [Prêmio Destaque Cidadania] e seus colegas o elegeram como All-American Boy and Most Likely to Succeed [Garoto totalmente americano e com maior probabilidade de sucesso].

Stout também concluiu o mestrado em Engenharia Química pela University of Texas e o diploma lhe foi entregue pelo também futuro presidente dos EUA Lyndon Johnson (1963-1969).

Cursou também Teologia na Austin Presbyterian Theological Seminary, EUA. Pelos registros, fez o 1o ano em 1949, sendo então o curso interrompido, com a retomada do 2o ano somente em 1956, e conclusão em 1957, com o título de Bacharel em Divindade. Alguns anos depois esse título foi alterado para Mestre em Divindade. Helen também concluiu o curso de Teologia, embora não haja esse registro, pois as mulheres não eram ordenadas.

Durante a sua permanência no Brasil, ele recebeu a sugestão de se qualificar em um doutorado em Informologia (Linguística e Literatura) na Universidade Católica de Pelotas (Pelotas, RS), realizando estudos de como a informação e sua estrutura são armazenadas e interpretadas na mente, um subdomínio da ciência da informação. Realizou estudos em comunicações interculturais, especificamente sobre como as pessoas de uma cultura podem se comunicar com pessoas de outra cultura, escrevendo um artigo sobre este tema direcionado à igreja no Brasil. Parte de sua tese sobre comunicações interculturais foi posteriormente enviada ao embaixador americano George H. W. Bush, que apresentou-a às Nações Unidas.

Idiomas:

Em função dos estudos e das viagens como missionários, o casal Stout acabou aprendendo no total oito idiomas. Além do inglês nativo, também conseguiam se comunicar em chinês, alemão, português, grego, hebraico e russo.

Missionário

Apesar de ter crescido e casado na Igreja Batista do Sul, John Stout acabou se convertendo ao presbiterianismo, pois se considerava um “conservador de mente aberta”.

Em 1949, como missionários, ele e sua esposa mudaram-se para a China onde ele lecionou matemática e engenharia na Universidade Hangchow. Helen, que sempre se preocupava em enviar as pessoas a ler e a escrever, teve a oportunidade de ensinar o novo alfabeto para adultos, e inglês para os estudantes chineses. Com a tomada comunista, eles foram obrigados a deixar o país. Há o registro de que foram comissionados para serviço no exterior pelo Missionary Institute de Montreat, North Caroline, em 9 de agosto de 1950. Assim, vieram para o Brasil, partindo de Nova Iorque em 21 de setembro de 1950, com compromisso de estudar o idioma nos meses subsequentes.

Já no Brasil, o casal se estabeleceu em Dourados, atualmente Mato Grosso do Sul, fazendo parte da Missão Evangélica Caiuá (Kaiwá) da Igreja Presbiteriana do Brasil. Nessa região, atuaram na administração de quatro escolas primárias, e, com a expansão das responsabilidades, também assumiram a administração de  um hospital, uma clínica, três igrejas e um orfanato indígena na região da floresta amazônica. Esta demanda foi consequência de um surto de febre amarela que afastou muitos missionários daquela região. O casal Stout optou por embarcar na selva amazônica para levar ajuda humanitária às tribos indígenas nativas. Essa ação foi tão importante que John Stout se tornou o primeiro “homem branco” a ser considerado "índio honorário" entre as tribos amazônicas. Após completar seu trabalho entre os índios amazônicos, “um dos lugares mais pacíficos que já estiveram”, o casal Stout foi direcionado para o trabalho universitário em Lavras.

 

 

Foto registrada no Theologs (guia de estudantes matriculados) no ano de 1956 do Austin Presbyterian Theological Seminary. Fonte: arquivos Austin Presbyterian Theological Seminary, EUA.

 

 

Foto registrada no Theologs (guia de estudantes matriculados) no ano de 1956 do Austin Presbyterian Theological Seminary, indicando como casal John e Helen Stout, missionários licenciados do Brasil. Fonte: arquivos Austin Presbyterian Theological Seminary, EUA.

Atuação profissional no Brasil

No período de 1953 a 1960, excetuando o ano de 1956 em que esteve licenciado e retornou aos EUA para concluir o curso de Teologia), atuou na Escola Superior de Agricultura de Lavras-ESAL (transformada em 1994 em Universidade Federal de Lavras - UFLA), tendo sido contratado para ministrar aulas de Química Analítica , , em seguida de Desenho de Engenharia e, por apenas um período, de Geologia. No Instituto Gammon, John Stout foi professor de História Sagrada nos períodos de 1953-1955 e de 1957 a 1960, deixando a escola em 1961. Em 1970, a ESAL lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa com base nas suas atividades científicas desenvolvidas durante o tempo que atuou na instituição (Ata 213ª da Congregação, 03/03/1970).

Durante o período que atuou na ESAL, demonstrou diversas habilidades técnicas e criativas, proporcionando um novo senso de aprendizagem, despertando a curiosidade, implementando um novo nível de educação para os estudantes brasileiros. Após dois anos de atuação, foi designado chefe de química analítica e de um projeto de engenharia.

Além das atividades de ensino, John e Helen formaram um grupo de trabalho para traduzir a Bíblia King James para o português.

Satélites

Após acompanhar pela rádio a notícia de que os russos lançariam o primeiro satélite artificial em 1957, o cientista calculou as prováveis rotas. Um amigo, Lyndon Johnson, na época  chairman of the Committee on Astronautics and Space Exploration [Comitê de Astronáutica e Exploração Espacial]  e posteriormente presidente dos Estados Unidos, auxiliou-o, intermediando o contato do professor Stout com a American Society of Professional Photographers [Sociedade Americana de Fotógrafos Profissionais]. Essa sociedade forneceu ao professor dados sobre um ramo altamente especializado da Física, chamado mecânica orbital, e que ele usaria para calcular quando um satélite passaria na área onde ele estava, no Brasil. Professor Stout viu aí uma oportunidade para seus alunos abrirem a mente para o mundo da mecânica celeste e adicionar um curso de astronomia e mecânica orbital à sua lista acadêmica. Como auxílio, profesor Stout preparou um Mapa do Espaço.

 

 

Professor Stout desenvolveu um equipamento capaz de captar imagens fotográficas em 360º, associando uma máquina fotográfica e um telescópio de 30 polegadas com uma lente parabólica finamente retificada (emprestado pelo Dr. Dustin, amigo de John de Bogotá, Colômbia), montados sobre um tripé, o qual era usado nas tarefas de aula de seus alunos de mecânica celeste. Com a câmera e o telescópio no lugar, Stout construiu uma série de rodas giratórias de madeira movidas por um despertador Westclox. As rodas moveram o filme além das lentes da câmera para traçar um arco no céu por cerca de cinco minutos.

Stout também criou, com a ajuda do professor de geografia da ESAL, Osório Alves, e de seus alunos, um “preditor de satélites” feito de papelão e celuloide, o qual permitia a filmar estrelas e objetos que pareciam ser satélites terrestres de passagem – os satélites celestes naturais muitas vezes lançados aleatoriamente na atmosfera terrestre. Anos mais tarde, ele afirmava que seu rastreador caseiro “era mais preciso do que a Rádio Moscou quando se tratava do Sputnik”.

O lançamento soviético do Sputnik foi transmitido pela Voice of America e captado por um de seus alunos. Acompanhando os anúncios soviéticos de sua passagem esperada sobre Buenos Aires, Nova York e São Francisco, entre outras cidades, Stout usou seu preditor de satélite para determinar, com precisão, quando o Sputnik passaria sobre Lavras, Minas Gerais.

Um acontecimento inesperado na cidade de Lavras foi a queda de energia na noite de 9 outubro de 1957, garantindo condições perfeitas de visualização. Assim, às 17h50, e novamente às 19h25, na área que atualmente é o câmpus histórico da Universidade Federal de Lavras, Stout captou as primeiras imagens do satélite Sputnik I em órbita terrestre. O satélite artificial passou sobre Lavras a uma distância de 901 km e velocidade de 8 km/s.

 

 

Por esse feito, pelos trabalhos científicos, sobretudo os gráficos precisos, mostrando com exatidão as posições e horários dos satélites, o professor Stout foi premiado pela Comissão Nacional do Espaço (Registro do jornal O Agrário, 1961).

Entusiasmado, professor Stout continuou a fotografar satélites e formou um grupo denominado International Observatories of Satellites [Observatório Internacional de Satélites], do qual ele era presidente, e alguns estudantes faziam parte. Começou a fotografar satélites regularmente e a publicar os seus tempos de passagem em jornais locais, capturando o Explorer I, o Vanguard, o Explorer II dos EUA e, em maio de 1958, o Sputnik III da Rússia, o maior satélite até agora. Em 1960, publicou um artigo no Observatório Internacional de Satélites sobre um balão experimental que lançou na cidade de Pelotas e que funcionava como uma torre flutuante de comunicação para transmissão de sinais de rádio.

O Observatório, que trabalhava em conexão com os observatórios de São Paulo e Bauru, inicialmente publicava um boletim semanal com informações, mas as atividades foram interrompidas em função do tempo demandado. Possuíam também um serviço de consultoria para jovens interessados em design de motor de foguetes e chegaram a estudar a possibilidade de enviar um foguete a 1000 km de altura. Em outro experimento, conduziram um projeto para avaliar pressão do motor do foguete para não incendiar com os gases em alta temperatura. Ele acreditava que o Brasil poderia enviar um foguete à lua em dez anos, caso modificasse o tradicional design e criasse um modelo próprio.

 

 

No final de 1958, autoridades de Washington concederam a Stout a designação de “Moon Watcher” [Observador da lua], sendo nomeado pelo U.S. International Observatories of Satellites como diretor de quatorze observatórios em todo o Brasil, parte de uma rede de estações mundiais de rastreamento.

Também atuou na radiodifusão, produzindo programas semanais direcionados ao público não especializado, com lições curtas de astronomia, entrevistas sobre assuntos relativos a astronautas, além de um relatório - “Reporto do espaço”, uma fala curta sobre religião e o significado da Conquista do Espaço, informando também o horário semanal dos satélites e os que poderiam ser vistos a olho nu, notícias internacionais, além de notícias interplanetárias da conquista do espaço, incluindo aquelas que não foram publicadas nos jornais brasileiros. O programa era gravado e ia ao ar todos os sábados à noite, durante de 15 a 20 minutos.

O professor Stout possuía um grande amor pelos seus alunos, os quais lhe ofereceram um “Diploma de Gratidão” antes de deixar o Brasil.

Retorno aos EUA

Ao retornar aos Estados Unidos, foioferecido a Stout um cargo na Pan American Airways Guided Missile Ranch Division [Divisão de Rancho de Mísseis Guiados da Pan American Airways], em Cabo Canaveral, Flórida.

Com a reputação do trabalho desenvolvido, foi convidado a atuar como cientista sênior da informação na NASA, sendo engenheiro de documentação International Telephone and Telegraph (IT&T), uma empresa subcontratada da NASA. Na sua atuação, Stout recebeu o crédito pelo desenvolvimento do revolucionário SDI Technical Information System [Sistema de Informação Técnica SDI], coordenando 1,2 mil cientistas e engenheiros, e executando pesquisas em computador de um milhão de relatórios técnicos por semana. Stout padronizou técnicas de gerenciamento de dados e programação para que sua equipe de trabalho pudesse rastrear os componentes do módulo de comando Apollo em diferentes equipes dentro da NASA. Esse projeto consistia num sistema de rastreamento para os componentes e fornecedores dos foguetes Gemini, incluindo links de comunicação entre os locais de lançamento e estações de rastreamento de descida. Além da atuação em programação de sistemas, também precisou coordenar as pessoas e criou um sistema para reuniões utilizando uma câmera e a rede telefônica. Foi a primeira forma de teleconferência. Na análise do professor Stout, “Talvez eu tenha nascido cinquenta anos antes do tempo.” Assim, ele permaneceu na NASA de 1962 até a conclusão do programa Apollo em 1972.

O cargo foi aceito com a condição de trabalhar também como capelão voluntário da instituição, formando a Association of Space Support Chaplains [Associação de Capelães de Apoio Espacial]. Mais tarde, Stout foi transferido da NASA para Houston como cientista da informação, onde condicionou sua atuação a também poder servir como capelão não oficial no Manned Spacecraft Center (MSC) da NASA, em Houston, Texas. Criou então o Aerospace Ministries, uma extensão da associação criada anteriormente - Space Support Chaplains.

A NASA, como agência federal, não podia posicionar-se religiosamente, mas respeitava as visões religiosas de seus membros. Os ministros da associação criada por Stout eram frequentemente próximos uns dos outros e estavam em sintonia com as necessidades espirituais dos administradores e astronautas da NASA. Como capelão e cientista da informação do Manned Spacecraft Center, Stout tinha uma melhor compreensão dos desafios que os funcionários da NASA enfrentavam durante o programa Apollo.

 

 

Durante esse período, John organizou a visita do ex-presidente brasileiro Juscelino Kubitschek e sua esposa ao Manned Spacecraft Center, quando estavam viajando pelos EUA. John estava retribuindo o apoio que o presidente Kubitschek lhe dera no Brasil, especialmente durante sua visita à Brasília.

Apollo Prayer League

Após o incêndio da Apollo I na plataforma de lançamento, em que os astronautas morreram antes da missão, o reverendo Stout desejou criar uma organização religiosa mais ampla e permanente. O reverendo Stout imaginou uma organização global que não apenas orasse pelos astronautas, mas também se envolvesse em esforços humanitários. Assim, com o apoio de sua esposa Helen e do irmão James W. Stout, além de outros, incluindo 13 capelães, o reverendo Stout, por sugestão de sua esposa Helen, lançou a Apollo Prayer League [Liga de Oração Apollo], em 1968, a qual chegou a contar com 40 mil membros.

Esta liga era formada por funcionários e apoiadores da NASA em todo o mundo, cujo objetivo era orar pela segurança dos astronautas e dos outros funcionários da NASA, mas não recebia quaisquer fundos da NASA, sendo inteiramente apoiada por doações privadas. A APL tinha membros de praticamente todos os locais da NASA, incluindo navios de rastreamento do Pacífico e em estações remotas, atingindo 60% das zonas postais dos Estados Unidos, além de 16 países estrangeiros.

As reuniões diárias de oração e estudo bíblico no centro espacial contavam com a participação de membros de diversas orientações religiosas. Helen apoiava administrativamente as ações, incluindo a iniciativa APL News Wire Service destinada a  transmitir informações por meio do programa Voice of America para grupos de oração em todo o mundo, e a divulgação dos boletins informativos mensais da APL. A organização APL também serviria como fonte de apoio tão necessário para as esposas e famílias dos astronautas da Apollo.

A liga também estava envolvida em esforços humanitários, que incluíram o transporte aéreo de alimentos para crianças famintas em Biafra (Nigéria) e para vítimas de furacões na América Latina. A Liga também forneceu 25 toneladas de suprimentos médicos e alimentos às vítimas do furacão de Corpus Christi, no Texas.

Alguns dos astronautas membros da APL ele conheceu pessoalmente, e se tornou muito próximo de um jovem chamado Edward White. Em um teste pré-voo no Cabo Kennedy, no dia 27 de janeiro de 1967, a primeira missão Apollo I tripulada terminou tragicamente, pegando fogo e resultando na morte do jovem e dos astronautas John Glenn e Edgar Mitchell.

Em entrevista antes do lançamento, White havia mencionado que seu sonho seria levar um exemplar da Bíblia à lua. Ele sentia que isso simbolizaria que Deus não foi esquecido quando a humanidade partiu de seu berço terrestre para o cosmos. Assim, o grande projeto da APL passou a ser o de levar a Bíblia até a lua, em homenagem a Edward ‘Ed’ White, um dos astronautas da Apollo I.

Bíblia Lunar

Por respeito ao legado de Ed White, o reverendo John Maxwell Stout decidiu tornar o desejo de levar a Bíblia até a luauma realidade. Mas isto implicaria um custo elevado, considerando a quantidade de peso a ser levado para o espaço. Assim, buscou  por uma tecnologia especial, que pesasse o mínimo possível, e utilizou uma descoberta feita cem anos antes.

Durante a preparação para a Apollo 11, Stout aprendeu sobre um processo de redução de fotos que incorporava a nova tecnologia de microfilme para reduzir grandes pilhas de documentos a um pequeno slide. Assim, a Bíblia King James foi transformada em microfilme, reduzindo suas 773.746 palavras impressas em 1.245 páginas, a um pedaço de filme com menos 5 cm2,  pesando apenas uma fração de grama, e incluindo a redução de 250:1 das imagens em uma pequena tira de microforma plástica. A leitura podia ser feita em um leitor de microfilme especial.

A Apollo 12 foi a primeira missão a levar uma diminuta versão da Bíblia King James para a lua. Porém, por acidente, a Bíblia foi deixada no módulo de comando em vez de descer com o módulo lunar até a superfície lunar. Stout tentou novamente com a Apollo 13, que levou 512 Bíblias financiadas pela Apollo Prayer League, mas esta missão fracassou. Ao pousar na Lua, a tripulação recebeu a instrução de deixar a primeira Bíblia lunar no topo de uma pequena pilha de pedras, semelhante ao altar que Noé construiu quando sua arca pousou no Monte Ararat. Além disso, seria deixado um pequeno certificado comemorativo dobrado em quatro, contendo uma descrição do microfilme da Bíblia, sua origem na Terra e a tradução do primeiro versículo do Gênesis, “No princípio, Deus criou os céus e a terra”, em dezesseis idiomas. O primeiro estava em inglês, seguido pelo mesmo versículo em espanhol, chinês, alemão, e assim por diante. Mas, devido a uma explosão a bordo, essa missão falhou.

Com a missão Apollo 14, cem cópias dessas bíblias foram colocadas no módulo lunar e duzentas foram armazenadas no módulo de comando. E, finalmente, as Bíblias desceram à superfície da lua em 5 de fevereiro de 1971, às 4h18, por meio dos astronautas Alan Shephard e Edgar Mitchell. O objetivo da Apollo Prayer League (APL) foi alcançado quando o Módulo Lunar Antares pousou na superfície poeirenta da Lua.

Para homenagear aqueles que apoiaram o esforço, Stout sugeriu que as Bíblias lunares fossem acompanhadas por um microfilme “First Lunar Bible Honor Roll.” [Primeiro Quadro de Honra da Bíblia Lunar]. Para isto, membros do APL foram convidados a submeter os nomes de indivíduos ou organizações que considerassem terem feito contribuições para as suas próprias vidas ou para outras causas nobres. Além dos nomes de familiares e amigos, outros nomes enviados incluíam homenageados como Jesus, Sócrates e Billy Graham. A lista final de 3.569 nomes foi colada em um grande cartaz e reduzida a um microfilme do mesmo tamanho das bíblias lunares, o que a deixou caber perfeitamente nos pacotes da bíblia lunar.

As bíblias reentraram na atmosfera da Terra a 40.000 km/h. O microfilme de 1,5 x 1,5 polegadas contendo a Bíblia King James ou "Bíblia NCR" (em homenagem à empresa National Cash Register que criou o microforma), composto de 1.245 páginas e 773.746 palavras, foi batizado de a Bíblia Lunar, sendo emoldurado em “ouro 24 quilates, brilhante, e acentuadas com diamantes pavimentados e uma granada brasileira”. Todos os microfilmes foram gravados e numerados com um número de série microscópico de cinco dígitos por Stout. Estes exemplares foram usados para presentear diversas pessoas, incluindo George H. W. Bush, então embaixador nas Nações Unidas e o presidente Nixon.

 

 

Para o reverendo Stout, levar a Bíblia para outro mundo celestial foi um esforço evangélico de proporções cósmicas. Isto incluiu um projeto para preparar uma Bíblia à prova de fogo e que seria deixada na superfície da Lua como parte de um “santuário”. Além de realizar o sonho do astronauta White e de outros viajantes espaciais, também há um apelo missionário, registrando mais de dois mil anos de cristianismo.

Stout foi agraciado pelo presidente Nixon com a Medalha Apollo Achievement Award.

A primeira Bíblia Lunar foi feita em memória de Edward White Jr e Joe P. Stout Jr, e a Honor Roll da Primeira Bíblia Lunar incluía três outras listas de nomes e instituições: a primeira eram seleções especiais feita pelo grupo de líderes na APL. A segunda foi feita pelos membros da APL e a terceira incluía igrejas ou organizações religiosas com conexão com as atividades da APL.

 

 

A Apollo Prayer League agradeceu àqueles que pessoalmente estiveram envolvidos em auxiliar colocando THP First Bible na lua. O comitê: John Stout, Harold H. Hill, Brandford Jackson (Apollo 12), L.A. Xiecox? (Apollo 13), John Elder (Apollo 14), Melvin Haas and James W. Stout (apresentação da Apollo 12), George Bush (apresentação Apollo 13). A Bible Society agradeceu à Sociedade Bíblica do Brasil. Dentre as instituições, destacam-se as menções à Escola Superior de Agricultura de Lavras e, como publicaçãos, o jornal O Agrário.

Mary H. Stout fez menção aos brasileiros Iolanda Bueno, Inaya Mendes, Orlando e Loide Andrade, Regina Manninga, Damaras Moreira e Maria Fonseca, dentre outros nomes.

Stout agradeceu a Jerry (apelido carinhoso de Mary Helen) e ao filho Jonathan Stout, Joe O. Stout, e mais alguns parentes e amigos. Também foram citados Regis Boy Scolts e Texas A&M Football Souad de 1939-1941 e seu técnico, Homer Norton, Dwight D. Eisenhower e Lyndon B. Johnson (presidentes dos EUA). Na sua lista ainda aparecem Juscelino Kubitschek, os brasileiros Carlos Alvis, Eduardo Gonsalves Andrade, Orlando Andrade, Pe Celso de Carvalho, M/M Marcelino Pires Carvalho, Francisco Prado Margarido, Uriel de Almeida Leitão, Sophia Teixeira, além do professor James T. Shaw e das instituições Instituto Gammon e Igreja Presbiteriana Bom Sucesso/MG.

Ao que parece uma cópia de uma lista de assinaturas, foram incluídos os nomes dos seus alunos, os quais podemos identificar como pertencentes à 64ª turma de Agronomia da ESAL, graduados em 1961/2, além de dois outros. Os seguintes nomes foram registrados, segundo a ordem da lista: Carlos Gomes dos Santos Cortês, Álvaro José dos Santos Neto, José Carlos da Cunha Teixeira, Rúbio Rodarte, José Arthur de Oliveira, João Eugênio (não consta na lista de formandos) Hélio Corrêa, José Santiago Nogueira, Mário Alves (Telinho?) Malafaia, Washington Cornélio (graduado na turma 1963/2), Pedro Tonelli Junior, Nobor Haga, Justino Vicente da Silva, Hélio Lopes dos Santos, Saul Pereira, Erycson Pires Coqueiro, José Barbosa Netto, João José Moreira Muylaert, Adir Carlos de Carvalho, Juareztovam Lamim de Carvalho, Paulo Carlos Moreira, Dalton Dias Heringer, Danilo Pereira Correa, Alfredo Scheid Lopes, João Márcio de Carvalho Rios, Luiz Eduardo Maciel Epaminondas, nome não identificado, Ivanildo Moniz Santiago, Gerson Pereira Rios, Sylvio Nogueira de Souza, não legível - Fernando?

Depois do grande feito

Em 1972, com o fim do projeto Apollo, a NASA iniciou um processo de demissões de vários de seus colaboradores, incluindo John. Ele saiu deixando como legado um trabalho que ajudou a levar vinte e quatro homens à Lua, incluindo aquele que pousou e lá deixou um exemplar da Bíblia.

John foi convidado a atuar num cargo no Departamento do Interior do Alasca, como especialista em Transferência de Informações, coordenador Ambiental de Engenharia Química e oficial técnico de Informações Biológicas. Ao mesmo tempo, atuou como pastor em uma pequena igreja, criando o Ministério da Natureza Selvagem do Alasca para os índios nativos, realizando cultos anuais do nascer do sol da Páscoa no Vale do Rio Eagle. Após aproximadamente dez anos de trabalho nessa região, retornou ao Texas, onde permaneceu até a sua morte.

Prêmio Nobel da Paz

Por todos os feitos realizados e pelo legado deixado pela sua história de vida, Stout foi indicado, em 2013, ao Prêmio Nobel pelo grupo do então vice-presidente dos EUA Lyndon Johnson.

Visão

Stout via a ciência e a religião não como duas entidades separadas e conflitantes, mas sim como um sistema unificado. Relatou, certa vez, que se sentia perfeitamente confortável com Deus olhando para um tubo de ensaio ao lado de seus alunos. Na NASA, juntamente com o reverendo Carl McIntire, acreditava que a tecnologia seria crucial para a sobrevivência da fé. Fizeram uma campanha religiosa na base espacial para encorajar os cristãos a não se concentrarem em debates envolvendo a velha ciência versus tecnologia, mas, ao contrário, abraçar um futuro dominado por viagens espaciais. Ambos acreditavam que o programa espacial americano declarava a glória de Deus e celebrava a inovação científica da humanidade.

Na sua tese de Mestrado em Teologia, Stout discutiu como comunicar a mensagem de Deus entre os povos divergentes e conflitantes da Terra. Esta instigante tese de Stout foi posteriormente adotada pelo embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas pelas suas percepções diplomáticas.

 

 

Em uma de suas reflexões em que se perguntava onde poderia encontrar Deus, fez a seguinte menção:

Que plano de vida incrível. Maravilhado, vi os lindos ipês-amarelos com suas coroas douradas da vida, e toquei a antiga árvore da vida do Brasil. Vi a beleza dos animais, as aves com papagaios aos milhares em vôo. Admirei os macacos-aranha, os leopardos e a vida selvagem, grande e pequena, enquanto conversavam entre si, às vezes falando de medo, às vezes não. No Novo Testamento, Paulo fala de como não somos desculpados por não conhecermos a Deus na natureza. Se eu conhecesse a Deus, não o encontraria na minha selva? Por que não consigo encontrar Deus em mim?”

 

Referências:

CHUNG, G. His Cosmic Ministry: John Stout, Aerospace Ministries, and the Lunar Bible Project. Princeton Historical Review, 2022-2023. https://history.princeton.edu/undergraduate/princeton-historical-review/issue-22-23/his-cosmic-ministry

JONES, G. Bless Thou Astronauts: A Short History of Faith in the American Space Age 1957– 1971. Journal of Space Philosophy, 11(2), 2022. Available at: https://keplerspaceinstitute.com/bless-thou-astronauts-a-short-history-of-faith-in-the-american-space-age-1957-1971-by-grace-jones/

K, DAVID. John Stout: The Missionary who Joined NASA. Presbyterian Historical Society Blog, 2018. Available at: https://www.history.pcusa.org/blog/2018/06/john-stout-missionary-who-joined-nasa

______John M. Stout. Former Student, Now Missionary. The Battalion, January 05, 1951. (image 4). Texas A&M Newspaper Collection. Available at: https://newspaper.library.tamu.edu/lccn/sn86088544/1951-01-05/ed-1/seq-4/

______ John M. Stout - 1922-2016. Obituary. 2016. The Baytown Sun. Available at: https://baytownsun.com/obituaries/john-maxwell-stout/article_9814f886-c62f-11e6-8a76-df60a9c0ce71.html

VAN CLEVE, N. Into the heavens: the lunar bible - grand prize winner. 2015. Available at: https://hc.edu/publications/museums/Dunham_Bible_Museum/2015PiecesofPast_VanCleve_IntoTheHeavens.pdf

Apollo Prayer League: remember the Stouts. Facebook page. https://www.facebook.com/profile.php?id=100063545529531

 Bibliografia sugerida:

MERSCH, C. The Apostles of Apollo - The journey of the Bible to the Mon… and other untold stories. Fayetteville, Pen-L Publishing, 2013.

MERSCH, C. Undaunted: The unflinching faith, audacity, and ultimate betrayal of an American legend, 2019. 237p.

 Agradecimentos:

Apesar da importância e repercussão mundial do trabalho do professor John Stout, as informações disponíveis nos arquivos da Universidade Federal de Lavras eram muito reduzidas. Assim, além de uma extensa pesquisa, ainda contamos com a colaboração do Sr. Gary Mathews, Director of Alumni Relations da Austin Presbyterian Theological Seminary e da Sra. Lora M. Gilmore, administrative associate do Escritório de Registros da Texas A&M University, aos quais agradecemos.

Agradecemos também ao jornalista Diego Nascimento, à D. Vandinha (Pró-Memória, Instituto Gammon) e Ênali Paula Paiva pelas especiais contribuições.

Mas a nossa grande emoção se deu pelo contato com a escritora americana, Carol Mersch, que teve a oportunidade de conhecer o casal Stout já no final da vida deles, realizando várias entrevistas e que deu origem ao livro Undaunted: The unflinching faith, audacity, and ultimate betrayal of an american legend. Muitos foram os emails e arquivos trocados, permitindo assim enriquecer as informações a respeito da vida e obras do professor John Stout.

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