A Escola Agrícola de Lavras (EAL) tinha como finalidade proporcionar um curso especial de estudos para preparar os alunos que “se destinavam à vida de agricultores, e aproveitar a riqueza natural da terra”. Para possibilitar esse curso, , em 1907, o jovem Benjamin Harris Hunnicutt, com apenas 20 anos, recém-formado em Ciências Agrícolas pelo Mississipi State College, veio para Lavras. Na sua carreira, muitos feitos, incluindo ser o primeiro diretor da Escola Agrícola de Lavras.
Uma das paixões de Hunnicutt foi a cultura do milho, inclusive ele organizou exposições e publicou vários textos e livros com esse tema. Por volta de 1916, seria construído o primeiro silo aéreo, para ensilagem de milho, que existe até hoje dentro do recinto do Instituto Presbiteriano Gammon.
No início do século XX, o milho era denominado de “cereal de ouro” ou “trigo brasileiro” e já tinha sua importância na balança econômica nacional. Mundialmente, naquela época, ocupava o 3º lugar em importância em relação a outras culturas. Os EUA, origem desta espécie, produziam cerca de 75% da safra mundial (Ribeiro, 1922). Já em 1912, quando foram comercializados o equivalente a 1,5 bilhão de dólares, o milho foi considerado como rei naquele país – Corn is King (Ribeiro, 1922).
O Brasil, em 1916, ocupava o 2º lugar entre os países produtores de milho, e , já naquela época, raro era o município que não cultivava milho, tanto que os agricultores consideravam um “ano de prosperidade”, devido à alta produção , e os “paiois ficavam abarrotados”. Considerado o gênero alimentício mais consumido mundialmente, destinava-se à alimentação humana e animal, e, para esse último grupo, na forma de silagem ou diretamente para aqueles criados presos.
No início do livro “O Milho”, Hunnicutt publicou um mapa produzido de acordo com o censo de 1920, no qual é apresentada a distribuição da produção de milho no Brasil, concentrada nos estados do Sudeste e Sul (Hunnicutt, 1924).

Para a alimentação humana, haviam inúmeros pratos preparados com este cereal. Fato enfatizado durante a 4ª Exposição Nacional de Milho, quando foram apresentados 90 diferentes pratos preparados com milho, incluindo aqueles corriqueiramente utilizados pela população como “a cangica, migáo, cangiquinha, pipoca, paçoca, angú, pamonha, farinha de milho” (grafia da época).
Do milho nada se perdia. A palha (cana, folhas e espátulas) era utilizada como forragem, quando verde para ensilagem. Sabugo: combustível, se moído utilizado para alimentação do gado. Flores: funções medicinais. Cana: grande quantidade de sacarina e podia extrair o açúcar. Grãos: extração de álcool (com a ressalva de que seria mais prejudicial à saúde do que o de cana-de-açúcar). Grão fermentado: fabricação de cerveja. Grão torrado e moído: preparar um “café” para pessoas que evitavam a cafeína. Grão: alimentação humana (‘farinha de pão”, da fécula finíssima, a maisena – indicada para “manjares delicados” e para o estômago dos enfermos e crianças) e animal (Ribeiro, 1922).
Naquela época, porém, o produtor recebia pouco pelo produto, pois não conseguia vender para outras partes do país pela indisponibilidade de estrada de ferro e pelas tarifas cobradas, o que inviabilizava o transporte (Ribeiro, 1922). Em função disso, era mais barato, por exemplo, ao estado do Rio de Janeiro comprar milho de outros países do que de Minas Gerais, o que indicava que a agricultura ainda estava atrasada pela falta de uma estrutura de transporte (Ribeiro, 1922). A partir de 1916, o Brasil se tornou exportador de milho ((Hunnicutt, 1924).
Em 1922, a Escola Agrícola de Lavras criou o “Trabalho Experimental” com o objetivo de proporcionar experiência prática aos alunos. A proposta era realizar o trabalho em canteiros, reproduzindo as condições do campo de cultivo. Essa atividade abrangia todas as áreas da Agricultura e deveria contemplar o aprimoramento do cultivo e produção, o melhoramento das culturas e produção de novas variedades e a introdução de novas culturas e práticas de cultivo, incluindo fertilizantes. Tudo isso foi inspirado nas atividades já desenvolvidas na Estação Experimental de Iowa, EUA, maior estado agrícola americano.
Assim, considerando as culturas, para o milho, estavam previstos os seguintes ensaios: A) Variedades; B) Cultivo; C) Hibridação para produção. Também seriam realizados estudos de sistema de rotação e administração (o que deveria ser equivalente à condução da cultura atualmente) e de prática de fertilidade (O Agricultor, 1922).

Publicações

Conforme apresentado pelo próprio Hunnicutt, a publicação de 1924 foi uma ampliação de uma publicação menor - O Livro do Milho de 1916, que havia esgotado rapidamente (Hunnicutt, 1924). A proposta era apresentar aos produtores um texto útil e de fácil compreensão, servindo como “guia no desenvolvimento da lavoura de milho, que sempre haveria de ser o “Rei dos Cereaes do Brazil” (Hunnicutt, 1924).
O livro, organizado em 12 capítulos, explora diversos aspectos da cultura, iniciando com a Produção e distribuição mundial, Origem e descrição botânica, Melhoramento, Clima, Solos, Manejo da cultura, Colheita e Conservação, Pragas, Comercialização, Usos na alimentação animal e humana (incluindo diversas receitas), Silos e Ensilagem e as Exposições e Clubes de Milho. A obra é ricamente ilustrada com fotos e desenhos, muitos do próprio autor, alguns cedidos por empresas e outros colaboradores, e contém, por exemplo, muitas ilustrações dos equipamentos utilizados na cultura, como arados, grades, dentre outros, os quais foram cedidos pelos fabricantes dessas máquinas.
O livro foi dedicado em homenagem ao Exmo. Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida pelo seu “grande interesse que tem dedicado ao desenvolvimento da cultura do milho, muito assim concorrendo para o progresso econômico do paiz” (Hunnicutt, 1924). Miguel Calmon foi Ministro da Fazenda (1827, 1837 e 1842) e dos Negócios Estrangeiros (1829, 1862) no Brasil.
Nesse mesmo ano, foram também publicados livretos (Números 1 ao 5) explicativos de temas relacionados à produção e ao processamento do milho:
Em outra publicação de 1945, Brazil Looks Forward, Hunnicutt exalta a agricultura nacional e faz previsões positivas para o futuro. Nesta época, o Brasil já ocupava a 3ª colocação em produção mundial de milho, atrás dos EUA e da Argentina. A previsão, porém, era de que em breve passaria a ocupar a 2ª posição em função da expansão da área plantada, melhores métodos de cultivo, aumento da demanda pela indústria animal e a possibilidade de obtenção de melhores sementes. Já havia em desenvolvimento um programa de melhoramento na Estação Experimental do Estado de São Paulo/Instituto Agrícola de São Paulo, Campinas-SP (Dr. Arnaldo Krug, que recebeu treinamento na Cornell University) e outro na Escola Agrícola de Viçosa-MG (Dr. Antonio Secundino de São José Araujo, especializado em hibridação de milho em Iowa State College) (Hunnicutt, 1945; Hunnicutt, 1949).
As exposições
A realização de exposições foi uma iniciativa do Dr. B. Hunnicutt por entender que por meio desses eventos era possível estimular os agricultores a melhorar as suas produções. No discurso de abertura da 4a Exposição, ele apresentou este histórico da origem no Brasil (reprodução com graphia da época):
“Meus senhores.
Ao inaugurar a IV Exposição do Milho vou dar a história desta festa nacional do cereal de Ouro.
Tendo feito uma viagem aos Estados Unidos do Norte no anno de 1912, enviei ao Conde Amadeu A. Barbiellini proprietário da revista “Chácaras e Quintaes”, algumas photographias das Exposições de Milho naquelle paiz, e no mesmo anno assisti à Exposição Nacional do Milho, que se realizou em Columbia, no Estado de Carolina do Sul.
Voltei no anno seguinte ao Brasil, tendo escripto alguma cousa a respeito desta Exposição e da selecção do milho.
Em Novembro de 1914, poucos mezes depois da actual conflagração, recebi uma carta do Conde Barbiellini, convidando-me para dirigir uma Exposição de Milho, que a sua revista organizaria, no anno seguinte, em S. Paulo.
Depois da propaganda pela revista e a organização do regulamento, realizou-se, na séde da Sociedade Paulista de Agricultura, a 1ª Exposição Nacional do Milho, em Julho de 1915.
…..”
Continua….
E assim, as primeiras exposições foram realizadas:
1ª Exposição Nacional do Milho, São Paulo, 1915.
2ª Exposição Nacional do Milho, Belo Horizonte em 1916.
3ª Exposição Nacional do Milho, Curitiba, 1917.
4ª Exposição Nacional do Milho, Rio de Janeiro, 1918.
5ª Exposição Nacional do Milho, Lavras, 1926.
Sobre a realização da Exposição Nacional do Milho, Dr. Hunnicutt dizia:
"Milhares de pessoas visitam a feira todos os anos, e toda a comunidade é alcançada de alguma forma. Não só são apresentados produtos agrícolas, mas também exposições escolares e o trabalho doméstico das mulheres, para que toda a família encontre algo do seu interesse. Cada centro de missão agrícola pode ter uma feira anual, não importa o quão pequena seja a comunidade, e em muitos casos, um Estado inteiro pode estar interessado. Qualquer pessoa familiarizada com o progresso agrícola dos Estados Unidos e da Europa sabe que papel vital as feiras têm nesse desenvolvimento".

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Nas exposições de Milho, os produtores levavam lotes de milho e esses eram julgados por juízes, de acordo com regulamento e critérios estabelecidos. Havia quatro classes de milho: A: milho branco, grãos cheios e duros; B: milho branco, grãos dentados; C: milho amarelo, grãos cheios e duros; D: milho amarelo, grãos dentados. Ainda era escolhida a espiga campeã de toda a exposição e recebia o título de Champion do Brasil. Dentre os critérios que eram elencados em uma tabela, estavam conformidade e forma da espiga, base, pontas, circunferência, espaço entre fileiras, dentre diversos outros (Hunnicutt, 1924).
Em 1925, a Revista Chácaras e Quintaes promoveu a Semana do Milho, a qual teve como diretor técnico o Dr. Benjamim Hunnicutt.
Atualmente, o Brasil continua ocupando posição de destaque na produção e exportação mundial de milho, além de possuir grande importância na alimentação humana e animal. O pioneirismo da Escola Agrícola de Lavras no ensino e pesquisas com essa cultura é inegável, iniciando com experimentos que geraram resultados relevantes para a época enfatizando, por exemplo, o impacto da adubação. A difusão do conhecimento também foi pioneira pelas publicações realizadas, algumas há mais de 100 anos, que embasaram o ensino e as exposições agropecuárias, exercendo uma função ímpar na difusão de informações.
Referências:
HUNNICUTT, B.H. O milho - sua cultura e approveitamento no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribeiro, 1924. 243p.
HUNNICUTT, B.H. Brazil Looks Forward. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1945. 522p.
HUNNICUTT, B.H. Brazil Word Frontier. New York: D. Van Nostrand Company, 1949. 387p.
RIBEIRO, O.J. A importância do milho. O Agricultor, ano 1, n.4, 1922
O Agricultor, n.27 1926